segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Leblon Tales


A Dona Judite deve ter uns 65 anos. O seu cabelo é curto e bem escovado, seus olhos cobertos por óculos escuros de aro marrom claro. Já a Dona Leonor, provavelmente da mesma idade, possui cabelos longos, talvez na altura do ombro, mas vivem presos no alto por uma "piranha". As duas pintam as madeixas de castanho, nem claro, nem escuro, talvez no mesmo salão, na esquina da Ataulfo com a Cupertino.

Dona Judite perdeu o marido há muito tempo. Foi com ele que ela se mudou para o Leblon, onde criou seu único filho. Mora até hoje no mesmo apartamento, numa travessinha arborizada da Rua General Urquiza, onde recebe os netinhos aos domingos para o lanche da tarde. Ela manteve o quarto do filho intacto, e este vez ou outra é ocupado pelas crianças em noites de sábado, quando sua nora tem dificuldades para encontrar uma folgista para a babá. Estes são os melhores finais de semana, pois no domingo de manhã logo cedo vão, avó e netos, para a praia. Ela senta-se perto do salva-vidas e, simpática, pede a ele que observe a menina loirinha de biquini verde e seu irmão no mar. Dona Judite não sabe nadar.

Dona Leonor criou seus filhos fora do Leblon, e só voltou a morar no bairro quando sua mãe faleceu. Cansada de pagar o aluguel altíssimo em Botafogo, empacotou a casa, o marido e a filha solteira, e foram todos para o barulhento apartamento da Ataulfo, em cima do salão de beleza. Ninguém se importou nada com a mudança, e todo final de semana ela recebia feliz a visita de seu fiho, que estacionava o Uno verde na garagem do prédio, e de lá caminhava até o posto 11 com a família. As visitas do filho só diminuíram dois anos atrás, quando, já viúva e aposentada, a professora decidiu alugar sua vaga de garagem para um vizinho. A filha de Dona Leonor mudou-se em 2002 para São Paulo, e aparece a cada dois meses, carregando sempre uma amiga e um sotaque forte que a mãe acha difícil compreender.
Foi nessa minha última viagem ao Rio que conheci as duas senhoras.
Para Dona Judite, que vestia uma calça verde clara bem leve, cinto marrom, e uma camisa de manga longa em seda estampada, pedi uma informação. Eu só queria o endereço da padaria mais próxima, enquanto Dona Judite queria conversar. Me contou que, a cinco blocos dali, passando a sapataria, tinha um mercado muito bom. Aquele, que não era o Pão de Açúcar, não se lembrava o nome, mas era sim, um mercado muito bom. "Como se chama mesmo? Passando a sapataria, alí, a esquerda. No fundo do mercado eles têm um setor de padaria. Tipo uma panificadora mesmo, ah, os pães são muito gostosos. Compre o de milho, minha filha. O pão de milho." Dona Judite foi tão solícita que acabou perdendo o sinal, que abriu e fechou. Acabei me sentindo mal e lhe fiz companhia por mais alguns minutos.
Dois dias depois, quase nesta mesma esquina, me sentei no banco de madeira para descansar. Segundos depois chegou a Dona Eleonor, também de cinto marrom, porém de bermuda, regata e sandália havaiana.  Sentou-se ao meu lado. Acendeu um cigarro e começou a conversar. Contou, assim sem que eu perguntasse, do sufoco na fila do Bradesco, dessa chatice de arrastão na praia no final de semana, do preço dos remédios na farmácia. Reclamou do calor e do inchaço nos pés. Falou da briga da Record com a Globo, da roubalheira que anda este mundo. Acabou seu cigarro, pediu licença, e disse que precisava ir embora, pois não queria perder a novela das seis. Não sei ao certo se na Globo ou na Record.
Logo depois me levantei, e fui comprar o meu remédio caro na farmácia. Até hoje não encontrei nem a sapataria, muito menos o pão de milho no supermercado incrível da Dona Judite. No caminho de casa, enquanto suava de calor, cruzei com mais umas 5 ou 6 senhoras, cada uma de um estilo. E me lembrei da minha infância, das férias na casa da minha avó na rua Rita Ludolf. E me lembrei dos tempos em que morei por aqui, já adulta. E senti uma saudade gostosa dessa cidade tão misturada.

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